uso ético da inteligência artificial generativa

A inteligência artificial generativa (IAG), como o ChatGPT, tem transformado radicalmente a maneira como produzimos, organizamos e disseminamos conhecimento científico. Embora ofereça inúmeras vantagens, o uso ético da inteligência artificial generativa levanta questões críticas de ética, autoria, integridade acadêmica e proteção de dados. Este artigo é baseado na obra “Diretrizes para o uso ético e responsável da Inteligência Artificial Generativa: um guia prático para pesquisadores” de Rafael Cardoso Sampaio, Marcelo Sabbatini e Ricardo Limongi. Aqui, apresentamos uma síntese ampliada com os principais conceitos, práticas recomendadas e implicações do uso da IAG na pesquisa acadêmica.

Capítulo 1: O que é Inteligência Artificial Generativa e Por Que Ela Importa?

A Inteligência Artificial Generativa (IAG) é uma categoria de sistemas de IA capaz de criar novos conteúdos a partir de padrões aprendidos em grandes volumes de dados. Baseada em modelos de linguagem como os LLMs (Large Language Models), essa tecnologia pode gerar textos, imagens, códigos, sons e vídeos que se assemelham à produção humana. Ferramentas como ChatGPT, Claude, Gemini, Copilot e Llama são exemplos de soluções que utilizam esse tipo de tecnologia, sendo amplamente aplicadas em contextos educacionais, científicos e criativos.

Esses modelos funcionam com base em aprendizado profundo e estatísticas linguísticas, respondendo a comandos chamados de “prompts” para entregar resultados que parecem autênticos e bem estruturados. A IAG não apenas simula a linguagem humana com precisão, mas também é capaz de compor argumentos, sintetizar informações complexas e simular diálogos coerentes, tornando-se uma espécie de “assistente de pesquisa” virtual.

No ambiente acadêmico, seu uso tem se expandido rapidamente: da fase de concepção de ideias (brainstorming) até a escrita de resumos, tradução de artigos, organização de dados e até análises preliminares. No entanto, o uso indiscriminado dessas ferramentas levanta preocupações legítimas. Entre os principais desafios estão a confiabilidade das informações geradas (incluindo o fenômeno das alucinações), a preservação da autoria humana, o risco de plágio involuntário e a proteção de dados sensíveis.

Por isso, entender como essas tecnologias funcionam — seus limites, riscos e potencialidades — é fundamental para qualquer pesquisador que deseja utilizá-las de forma ética, responsável e produtiva. A IAG pode ser uma aliada poderosa, desde que seu uso seja acompanhado de senso crítico, domínio metodológico e rigor científico.

Capítulo 2: Princípios Éticos Fundamentais para o Uso de IA na Pesquisa

1. Compreensão das Ferramentas

Pesquisadores devem conhecer profundamente o funcionamento, limites e políticas de privacidade das ferramentas de IAG. Grande parte dessas soluções são proprietárias e controladas por empresas do Norte Global, o que pode introduzir vieses e riscos geopolíticos.

2. Autoria Humana

A IA não pode ser considerada autora. A responsabilidade pela integridade e originalidade do conteúdo gerado é exclusivamente do pesquisador humano. É preciso revisar, adaptar e validar qualquer material produzido com auxílio da IA.

3. Transparência

É fundamental declarar o uso de IA nos métodos de pesquisa, especialmente em submissões acadêmicas, incluindo qual ferramenta foi utilizada, com qual versão e em que momento da produção científica.

4. Integridade Acadêmica

O uso da IA deve preservar a integridade da pesquisa, evitando plágio, fabricação de dados ou uso indevido de informações sensíveis. A IA deve ser ferramenta de apoio e não substituto do trabalho intelectual.

5. Direitos Autorais e Privacidade

Os dados fornecidos à IA podem ser utilizados pelas plataformas para novos treinamentos. Isso levanta preocupações sobre a propriedade dos dados e o risco de vazamento de informações sigilosas ou inéditas.

6. Preservação da Agência Humana

A IA deve ampliar as capacidades humanas, nunca substituí-las. O pesquisador precisa manter o controle sobre todas as decisões e validar criticamente os resultados oferecidos pela ferramenta.

7. Letramento em IA

É essencial que pesquisadores adquiram habilidades e conhecimentos sobre IA para que possam utilizá-la com criticidade, ética e responsabilidade, evitando a dependência cega dessas tecnologias.

Capítulo 3: Diretrizes Práticas para Pesquisadores

Princípios Éticos Fundamentais para o Uso de IA na Pesquisa

1. Exploração Inicial de Ideias

Ferramentas de IAG podem ser grandes aliadas na fase inicial da pesquisa, oferecendo sugestões de temas, estruturação de perguntas-problema e até mesmo proposições de hipóteses. Ao interagir com esses modelos por meio de prompts bem elaborados, o pesquisador pode visualizar diferentes abordagens para o seu tema e enriquecer sua perspectiva crítica sobre os caminhos da investigação.

Entretanto, é importante tratar o conteúdo gerado como ponto de partida e não como produção final. A IA pode sugerir ideias genéricas, desatualizadas ou descontextualizadas. Por isso, cabe ao pesquisador realizar uma curadoria minuciosa, adaptando as sugestões ao escopo do seu projeto e validando as informações com base teórica consolidada.

2. Busca de Referências Acadêmicas

A IA pode ajudar a mapear termos-chave, sugerir autores e indicar fontes possíveis para a revisão de literatura. Porém, muitos modelos ainda não acessam bancos de dados científicos em tempo real ou não garantem referências verificáveis. Há também o risco de “alucinações” bibliográficas, onde a IA inventa autores, títulos e publicações que não existem.

Portanto, a busca por referências deve sempre ser complementada com ferramentas acadêmicas confiáveis, como Google Scholar, Scielo, PubMed, entre outras. O papel da IA aqui é ampliar horizontes, mas a curadoria rigorosa e a checagem das fontes continuam sendo tarefas essencialmente humanas.

3. Resumo e Leitura de Artigos

A síntese automática de textos acadêmicos pode poupar tempo e oferecer uma visão inicial do conteúdo. Sistemas de IA conseguem identificar trechos centrais, tópicos discutidos e estruturas argumentativas principais, facilitando o processo de triagem de materiais.

No entanto, confiar exclusivamente nessas sínteses pode levar a interpretações equivocadas. A leitura crítica do material original continua sendo indispensável, especialmente para captar nuances metodológicas, conceitos centrais e posicionamentos teóricos que uma IA dificilmente interpretará com precisão.

4. Escrita Acadêmica

O uso da IA na escrita pode auxiliar na formulação de trechos introdutórios, organização de tópicos e até mesmo na adequação do tom e estilo acadêmico. Isso é particularmente útil para pesquisadores que enfrentam bloqueios criativos ou dificuldades com a linguagem formal.

Contudo, é fundamental revisar cuidadosamente o conteúdo gerado, pois ele pode conter frases vagas, inconsistências conceituais ou uso excessivo de adjetivos e advérbios. A escrita acadêmica exige clareza, precisão e fundamentação teórica — elementos que não podem ser totalmente delegados a uma máquina.

5. Análise de Dados

Algumas ferramentas de IA já são capazes de sugerir gráficos, estruturar tabelas e até mesmo executar comandos básicos de análise estatística, especialmente quando integradas a plataformas como Excel, Python ou R. Elas são úteis na organização de grandes volumes de dados e na visualização de padrões.

Apesar disso, o julgamento metodológico continua sendo papel do pesquisador. A definição dos testes estatísticos, a interpretação dos resultados e a consideração das limitações do estudo requerem domínio técnico e contextual — algo que a IA ainda não alcança plenamente.

6. Traduções e Transcrições

Ferramentas como DeepL, Google Translate e transcritores baseados em IA ajudam a traduzir textos e transcrever entrevistas com maior agilidade. Isso pode acelerar tarefas operacionais do processo de pesquisa, especialmente em estudos multilíngues ou com grande volume de entrevistas.

Mesmo assim, essas ferramentas estão sujeitas a erros, especialmente em contextos técnicos ou culturais específicos. A revisão humana é indispensável para garantir que termos científicos não sejam distorcidos e que o conteúdo preserve fidelidade ao original.

7. Avaliações e Pareceres

Embora a IA possa gerar esboços ou modelos de avaliação com base em parâmetros pré-estabelecidos, pareceres científicos exigem análise crítica, conhecimento de área, e responsabilidade ética — habilidades que ainda não podem ser reproduzidas por máquinas.

Delegar esse tipo de julgamento a sistemas automatizados compromete a qualidade do processo avaliativo e a credibilidade da ciência. Avaliar um artigo, projeto ou dissertação envolve muito mais do que identificar erros gramaticais ou lacunas lógicas; exige sensibilidade e leitura aprofundada.

8. Detecção de Conteúdo Gerado por IA

Ferramentas como GPTZero e Turnitin estão sendo aperfeiçoadas para detectar conteúdo gerado por IA. No entanto, esses sistemas ainda enfrentam limitações técnicas e podem acusar falsos positivos, prejudicando textos legítimos.

Por isso, a melhor estratégia é sempre a transparência: declarar o uso da IA, indicar como ela foi utilizada e garantir que o conteúdo final reflita trabalho original. A honestidade acadêmica continua sendo o principal critério de avaliação ética no uso dessas tecnologias.

Capítulo 4: Riscos, Limites e Oportunidades

O uso ético da inteligência artificial generativa requer equilíbrio entre inovação e responsabilidade. Entre os principais riscos identificados na obra estão a produção de conteúdo enviesado ou factualmente incorreto, o plágio involuntário e o uso de dados sensíveis sem o devido cuidado. Essas situações podem comprometer a integridade acadêmica e ferir princípios éticos fundamentais da pesquisa científica.

Outro risco importante está relacionado à dependência excessiva da tecnologia. A utilização acrítica da IA pode levar à diminuição das capacidades humanas de análise, reflexão e pensamento original, elementos centrais para a produção do conhecimento. Também existe o risco de reforço de desigualdades, já que os modelos de IA tendem a replicar padrões discriminatórios presentes nos dados com os quais foram treinados, podendo marginalizar grupos sub-representados.

Entre os limites técnicos da IA Generativa, destacam-se as chamadas “alucinações” — respostas que aparentam ser verdadeiras, mas são inventadas — e a dificuldade dos modelos em compreender contextos específicos, ambiguidade de linguagem e implicações culturais. Além disso, muitos desses sistemas são caixas-pretas, sem transparência quanto aos dados utilizados ou aos critérios que guiam suas respostas, o que desafia os princípios de reprodutibilidade científica.

Por outro lado, as oportunidades são vastas e promissoras. A IA pode acelerar tarefas operacionais e repetitivas, como organização de referências, traduções preliminares e revisão textual. Pode ainda atuar como apoio na sistematização de literatura e no estímulo à geração de hipóteses, promovendo maior eficiência nos processos de pesquisa e redação.

A melhoria da comunicação científica também é um aspecto relevante. Com o uso estratégico da IA, pesquisadores podem ampliar o alcance e a acessibilidade de seus trabalhos, produzindo versões simplificadas ou adaptadas para diferentes públicos. Ainda, o uso de agentes de IA para explorar cenários, simular argumentos e prever desdobramentos pode enriquecer a análise crítica e multidisciplinar.

Por fim, é preciso reconhecer que essas ferramentas estão em constante evolução. A construção de diretrizes claras, a criação de políticas institucionais e a promoção de uma cultura de letramento em IA são condições fundamentais para garantir um uso responsável. O equilíbrio entre inovação e ética depende, sobretudo, da atuação consciente de cada pesquisador.

Conclusão: Em Busca de um Uso Soberano da IA no Brasil

A obra de Sampaio, Sabbatini e Limongi destaca a importância de políticas nacionais, formação de comitês éticos e investimentos em IA soberana. O Brasil precisa adotar uma postura crítica, mas propositiva, frente às tecnologias emergentes.

A inteligência artificial generativa não é inimiga da ciência — ela pode ser sua aliada, desde que usada com discernimento, ética e responsabilidade.

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Referência Base: Sampaio, R. C.; Sabbatini, M.; Limongi, R. (2024). Diretrizes para o uso ético e responsável da Inteligência Artificial Generativa: um guia prático para pesquisadores. São Paulo: Editora Intercom.

Sobre o Autor

Nilson Alves
Nilson Alves

Professor licenciado em Computação, especialista em Produção Acadêmica, Internet das Coisas e Inteligência Artificial. Apaixonado por educação e tecnologia, orienta trabalhos acadêmicos e compartilha conhecimentos no blog TCC Pro.

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